sábado, 20 de fevereiro de 2021

 CAMINHO CERTO


Domingo chuvoso, sem nada para fazer, monotonia, pensamentos, celular nas mãos como sempre, especificamente navegando no Instagram. No rolar, várias fotos, principalmente de viagens que são as que mais curto. Amo viajar!!! Se pudesse viajava todo final de semana, mas como sabem a grana é curta rs. Assisti a vários vídeos feitos no tik tok, stories de amigos e artistas. E também li várias frases. Eu tenho o costume de anotar as frases que me trazem uma mensagem profunda, ensinamentos. Dessa vez anotei a seguinte: “Você sabe que está no caminho certo quando perde o interesse de olhar para trás.”

Parece ser simples, basta não olhar para trás que teremos a certeza de que estamos fazendo o que é certo, sem dúvidas. Mas essa frase não é tão fácil assim de ser seguida, pois parte do que somos e fazemos é parte do passado e de nossas experiências. É difícil saber o caminho certo e também como é difícil deixar o passado ainda mais quando as experiências são tão doloridas.

Não tive uma infância e adolescência fácil, fui criada na igreja evangélica onde aprendíamos os 10 mandamentos: devíamos amar o próximo, não matar, não roubar, ....., Isso até é digno, mas nisso vinham também outras obrigações. Eu não podia ser menina. Vaidade? Fora de cogitação. Passar batom? Jamais. Usar shortinho? Nooossaaa...Pecado grave. Sexo antes do casamento? Deus me livre!! Fornicação. Era uma lavagem cerebral sem tamanha. Mas, contrariando aos ensinamentos de uma boa conduta, os mesmos homens que a pregavam eram os mesmos que a infringiam. Os 10 mandamentos ficavam só nas palavras.

Passei por vários abusos e cenas que nenhuma criança ou um adolescente deveria passar, mas que acontece bem mais que temos conhecimento. Ainda quando criança, muitas vezes na madrugada, acordava com o choro da minha mãe e ao sair do quarto meu pai a estava agredindo, o mesmo que bateu na minha irmã após ela passar batom e dizia ser homem de Deus. Graças a Deus minha mãe percebeu que não devir ser saco de pancadas para o resto da vida e se divorciou.

Se não bastasse essas cenas, fui abusada pelo meu avô e ele para disfarçar me comprava presentes para as pessoas acharem que eu era a neta preferida. Mal sabiam o interesse dele. Ele ficava me beijando e esfregando o pênis dele nas minhas partes íntimas. Hoje mais velha percebo a gravidade da situação e me pergunto: como é que ninguém percebia que ele sumia comigo? Ou o porquê fiquei calada. Pasmem, só contei para minha mãe e minha irmã há alguns anos. Sei que essas cenas aconteceram com muitas crianças e ainda acontecem. Tais homens acham normal cometerem tal atrocidade com crianças vulneráveis, crianças que precisam de cuidados. Uma situação muito triste. O que isso não faz na cabeça de alguém, principalmente, quando vem de uma pessoa que deveria te proteger?

Por muito tempo me senti abandonada sem ninguém para lutar por mim. Cuidar de mim. E como não fosse suficiente eu já com mais ou menos 13 anos minha mãe resolveu casar novamente para só passar por mais alguns anos de sofrimento e por consequência eu e minha irmã também. Um homem também considerado “de Deus”, eloquente, que pregava os bons costumes. Ele manipulava minha mãe o que fazia ela brigar com minha irmã falando que ela estava acabando com o casamento deles, o que fez minha irmã ir para Espanha, fugida em busca de esperança de dias melhores.

 Depois, na minha inocência, sem carinho, sem minha irmã, sem saber de nada e sentindo falta de um pai pedi para que ele me adotasse o que não sei se entendeu errado ou fingiu que não entendeu e ao invés de me tratar como filha resolveu fazer a seguinte proposta: você pode ter o que quisesse basta ser mais “carinhosa”. Adolescente, sem atenção do meu pai, querendo as coisas que toda adolescente gostaria de ter: roupas, computador, sapatos etc. Ele queria se aproveitar da minha vulnerabilidade. Como chorei. Depois de um tempo fiquei sabendo como ele envenenou a cabeça da minha mãe em relação a minha irmã. Minha mãe tinha casado com um filha da puta.

Por um tempo chorei de tristeza. Depois chorava de raiva. Sem saber o que fazer e de como contar para minha mãe. O pior é que quando realmente minha mãe soube do que aconteceu, por medo, continuou casada por um bom tempo. Minha avó me culpava. Dizia que a culpa era minha por eu usar shortinho na minha própria casa. Depois vieram com papo de demônio. E para completar a família do homem que me assediou acha que eu que era puta. Eu que nem namorado tinha. Só estudava e brincava. E de vez em quando dava uns beijinhos por aí, algo normal a qualquer jovem da minha idade.

Então eu percebi que não adiantava chorar e que aquela vida que estavam impondo a mim não era a que eu queria viver. Uma vida cheia de culpa ainda mais porque não tinha feito nada de errado. Parei de tentar entender o porquê de coisas ruins aconteceram comigo, porque coisas ruins acontecem o tempo todo. Resolvi superar. Escolhi lutar por mim. Lutar por uma vida melhor. Usei minhas experiências negativas para me impulsionar: dava aulas para pagar minhas contas, terminei o colegial, fiz vestibular, minha faculdade, passei no concurso, conquistei minha independência.

Algumas vezes, essas lembranças voltam para me desanimar. Então eu me refaço e procuro deixá-las lá no passado. Escolhi ser feliz. Não sei dizer se estou no caminho certo, mas com certeza sinto orgulhoso do meu caminho até aqui. Tudo que eu busquei fazer e me dediquei consegui. Ainda faltam algumas conquistas, mas já me sinto muito bem. Ouso dizer incrível. 😉