domingo, 30 de maio de 2021

Liberte-se

 

Essa semana vi um filme na Amazon , uma dessas comédias românticas, chamado de “What’s your number?”, traduzindo Qual é seu número. A película se baseia numa jovem que lê uma pesquisa onde as mulheres que são realizadas na sua vida amorosa, isto é, casadas e com filhos, tiveram em média 10 parceiros sexuais na vida, e mulheres que passam de 20 parceiros sexuais tem baixa probabilidade de se casar. Por acreditar nesse artigo, ela entra numa paranoia de que só tinha uma chance de ser feliz em sua vida amorosa já que começa a contar com quantas pessoas fez sexo e chega ao número 19. Isso me trouxe questionamentos de como a sociedade sobrecarrega a mulher de preconceitos com ela mesma.

Segundo os ensinamentos bíblicos, como muitos sabem, a mulher e o homem só devem casar virgens. Mas essa regra sempre teve maior peso sobre as mulheres. Por muitos anos, a mulher só podia sair de casa para se casar. E se por acaso, fizesse sexo com alguém e ficasse grávida muitas vezes era expulsa de casa. Não importava se um homem, com belos olhos e boa lábia a tivesse iludido e ela tivesse acreditado que eram boas suas intenções. Ela era julgada como culpada, uma traidora de sua família e dos bons costumes, uma pessoa sem honra. Pior disso tudo, nós mulheres realmente nos sentíamos assim, desertora da honra, sem dignidade, autoestima zero.  

Como já escrevi em outros textos, fui criada na igreja e passei por esse julgo também, não porque minha mãe me acusava, mas sem orientação e devido aos traumas da infância e adolescência, eu por muito tempo me senti culpada após perder a virgindade fora do casamento. Eu com 21 anos, acreditei que nós éramos namorados, mas na cabeça dele não, ele só queria ter o prazer dele, era um mentiroso, como muitos outros. Depois do ocorrido, ele me disse que a gente não tinha muita coisa em comum, e simplesmente não me procurou mais. Eu realmente pensava que tinha feito algo errado, porque quebrei minha promessa de casar virgem. Punia-me por ter ficado com uma pessoa que não conhecia de fato, cai no conto do vigário. Eu pensava: permiti que esse homem tirasse proveito de mim, fui enganada e me julgava por fazer algo natural.

Eu meio que entrei num loop. Estava com a autoestima muito baixa. Passei várias semanas e meses indo à igreja, pedindo perdão a Deus, como se aquilo que eu estava passando fosse uma punição pelas minhas más ações. Eu fiquei nesse loop por muito tempo. Eu acreditava que as pessoas tinham boas intenções. E antes de conhecer meu ex marido, no qual vivi por 7 anos, conheci alguns homens que acreditava terem boas intenções mas no final só queriam fazer sexo comigo. Eu pensava: permiti que esse homem tirasse proveito de mim, fui enganada mais uma vez e me julgava por fazer algo natural. Claro que não foram todos que me enganaram, teve alguns que eu senti vontade de fazer e eu que fui embora. Mas eu me sentia tão culpada que eu não me permitia desfrutar daquele momento. Sempre travada. Como se estivesse fazendo algo errado.

Aí eu falei, nunca mais vou deixar que ninguém encoste em mim até ter a certeza de que essa pessoa realmente tem boas intenções comigo. Aí eu disse, vou sossegar, não vou mais procurar, cheia de culpas. Eu estava com minha autoestima muito baixa, depois desses desencontros amorosos da vida. Nesse momento conheci meu ex. Ao invés de criar o processo de cura de tudo que me afetara emocionalmente, entrei de cabeça num relacionamento tóxico. Abri meu coração pois ele queria realmente algo sério. No meu pensamento, agora não vou mais ficar de mão em mão, pois sou uma mulher direita.

Nessa busca de ser uma mulher “direita”, mais uma vez não me atentei aos sinais, e fui morar com Sergio, uma relação que durou sete anos. Mas como eu disse não tinha nenhuma orientação, estava aprendendo as coisas da vida na marra. Como minha mãe, acreditava em qualquer pessoa que demonstrasse afeto por mim e não me atentava aos sinais. Depois me culpava e era meu próprio carrasco. No início, eu saia com os amigos dele, a gente conversava sobre planos para o futuro, construir uma casa, ter um carro melhor, sair da zona de risco que estávamos morando, etc. Ele bebia bem, eu não me importava, estávamos juntos e nos divertindo. Mas com o passar do tempo, ele começou a beber mais, até o dia que um tio dele faleceu e ele bebeu tanto, mas tanto, e em um momento de fúria pegou uma pedra e quebrou o parabrisa do caminhão dele. Nesse momento eu vi que ele tinha um sério problema com bebida.

Comecei a refletir sobre a minha vida com ele, meu destino. Nós conversamos e eu dizia a ele, eu gosto de você mas dessa maneira que você está ou se comportou não vou estar com você, vou embora. Vou te dar mais uma chance. Nesse período acabei engravidando. A gravidez não se desenvolveu, meu bebê não tinha massa cefálica. Assim optei por interromper a gravidez pois quis poupar sofrimento do meu bebê e meu. Nesses casos, a justiça permite que façamos o procedimento. Mais um vez ele bebeu, eu sabia que ele estava triste também. Aí ele começou a beber cada vez mais. Por diversas noites, eu ficava sozinha em casa, esperando ele voltar. Voltava cheio de cachaça e fedorento. Eu achava que era o luto. Com o tempo percebi que não era só isso.

Um dia, eu estava no domingo limpando a casa, e tinha passado um produto no sofá para fazer a limpeza, ele chegou da rua todo fedorento a cachaça e sentou no sofá. Pedi para ele ir para o quarto para que pudesse terminar o que eu comecei. Ele saiu do sofá, veio para cima de mim e me imprensou contra a máquina de lavar e a janela, o vidro caiu em cima de mim, tempo de me machucar feio, tive alguns cortes, não fui embora, pensava que como esposa era minha obrigação ajudá-lo a sair do vício da bebida. Depois desse episódio eu procurei uma terapia e comecei a refletir sobre todos os acontecimentos. Sentia vergonha, uma pessoa estudada, independente economicamente, viu os problemas que sua mãe enfrentou e entrou nessa relação tóxica. Parecia que estava cometendo os mesmos erros de minha mãe.

Aí começou meu tormento de não querer que ele bebesse mais. Ele dizia que ia parar, demorava duas semanas e lá estava ele parando no bar, voltando altas horas da noite ou no dia seguinte. Algumas vezes que eu ia trabalhar e ele ainda não tinha chegado em casa. Depois conversando com pessoas próximas, que o conheciam antes de mim, descobri que ele sempre foi assim, e já tinha agredido a ex mulher devido a bebida. Ele não me agredia fisicamente, mas me pressionava, falava que a culpa dele beber era minha porque eu fica reclamando na cabeça dele. Eu sabia que não era. Dizia que ele tinha família e eu não porque eu me abri com ele sobre o que aconteceu comigo e jogava isso na minha cara.

Foram várias brigas e discursões, até que em plena pandemia ele surtou, me empurrou, jogou a TV na parede, a caixinha de documentos que eu estava arrumando, simplesmente porque eu reclamei que em plena pandemia, ele estava bebendo podendo trazer doença para dentro de casa. Eu tinha ligado para saber onde ele estava, pois cheguei cansada do trabalho, a casa toda suja, com raiva desliguei o telefone na cara dele. Ele veio da onde estava para me agredir. Essa foi a gota d’agua. Saí com meu braço roxo. E ele grita aos quatro ventos que não fez nada para eu o abandonar dessa maneira. A mãe dele chegou a dizer que eu abandonei o lar para meu advogado. 

Hoje estou reconstruindo minha vida, esse julgo que não sou uma mulher direita não carrego mais, mas foi muitos anos de terapia até conseguir sair de um relacionamento tóxico e parar de me punir por algo que eu não sou e nunca fui. Talvez seja por isso que eu fiquei tanto tempo num relacionamento ruim. Não sei se vou casar algum dia, tive várias experiências ruins de relacionamento, tanto em relação aos meus pais quanto aos meus próprios. Deixe isso para os fofoqueiros de plantão. Agora eu procuro fazer as coisas querendo sempre o melhor para mim, sem importar com opinião alheia.

O primeiro passo já tomei: foi me aceitar e me libertar desses preconceitos e acreditar que sim eu mereço sempre o melhor. Estou numa jornada de reflexão, autoconhecimento e construção da minha autoestima. Não importa se estou casada, solteira, ou se quero fazer sexo com alguém que conheci numa boate. Sou dona da minha vida e o que eu faço só diz respeito a mim.

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